Vinte e sete de agosto de 2007. Data que se tornou um marco histórico na vida e na luta dos povos Tupinikin e Guarani do município de Aracruz, norte do Espírito Santo. Dia em que foi assinada, pelo ministro da justiça Tarso Genro, a tão esperada portaria demarcatória dos 11 mil hectares de terras usurpados pela multinacional Aracruz Celulose nos tempos de ditadura militar. Após 30 anos do início da luta pela recuperação do território, o surgimento de uma nova geração de caciques Tupinikin e Guarani fez com que suas nações se capacitassem para enfrentar a multinacional e recuperar parte de suas terras. O total de terras tomado pela multinacional alcança 40 mil hectares, logo a recuperação não atinge toda área que lhes pertencia. No entanto, somados aos 7 mil hectares já homologados anteriormente, basta para os povos indígenas reviverem nessas terras suas aldeias e suas vidas. Mais três aldeias estão sendo finalizadas na área retomada. São elas as aldeias de Olho d´água, Areal e dos Macacos. Ao todo, o Espírito Santo abriga mais de 2 mil índios/as Tupinikin e Guarani, distribuídos/as em sete aldeias.
A cultura Tupinikin sofreu uma amnésia por força do massacre sofrido com a perda de suas terras para a Aracruz Celulose. Foram obrigados inclusive a negar sua condição indígena para evitar os maus tratos impostos por militares a serviço da empresa. O resgate da tradição indígena por parte dos Tupinikin possibilitou o retorno da luta pelos seus territórios, já que os Guarani jamais abriram mão dos seus costumes.
O reconhecimento dos 18 mil hectares de terras indígenas pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) contribuiu para a retomada do antigo território indígena. Em 2005, um novo laudo antropológico feito pela FUNAI atestando o direito dos indígenas foi divulgado, mas faltava ainda a assinatura da portaria para que as terras fossem devolvidas. Naquela época, a articulação contra a assinatura do (até então) Ministro da Justiça Márcio Tomas Bastos foi grande e contou com apoio da bancada federal capixaba, com restritas exceções.
No mesmo ano, cansados de esperar pela assinatura e publicação da portaria, as comunidades indígenas, com o apoio da Brigada Indígena, Rede Alerta Contra o Deserto Verde, FASE e movimentos sociais, autodemarcaram suas terras e reiniciaram a construção das aldeias.
Entretanto, em janeiro de 2006, alvos de uma violenta ação da Polícia Federal pela reintegração de posse a favor da multinacional, as comunidades indígenas tiveram duas de suas aldeias destruídas com tratores da própria empresa e 13 índios ficaram feridos. Lembro-me como se fosse hoje a indignação do cacique Jaguareté ao dizer “Hoje me senti caçado”, numa assembléia após o ataque da PF. Um helicóptero que sobrevoava a área fazia vôos rasantes, para intimidar a presença dos apoiadores e indígenas, que corriam para dentro do eucaliptal. Um índio ferido ficou perdido. Dois funcionários da FUNAI foram seqüestrados de seus postos de trabalho pela Polícia Federal e levados para a Casa de Hóspedes da Aracruz Celulose (onde curiosamente também estava alojada a PF), e lá foram forçados a assinar a autorização da ação para legitimá-la. Na noite daquele dia, todos nós que presenciamos e fomos vítimas da ação covarde sobre as comunidades indígenas, marchamos rumo a fábrica da multinacional para dizer que a luta não havia chegado ao fim, e que resistiríamos até que seus direitos fossem atendidos.
Em Brasília, a ação foi denunciada como extremamente violenta. Depois disso, os índios foram humilhados por meio de campanhas com outdoors e cartilhas difamatórias feitos por grupos e empresas associadas e lideradas pela Aracruz Celulose. Enfrentaram perseguições em suas próprias terras, foram desrespeitados durante toda a sua luta. Até o processo que já havia sido aprovado pela consultoria jurídica da FUNAI e do próprio Ministério da Justiça foi devolvido à FUNAI para uma nova avaliação. Na ocasião, foi pedida a conciliação entre os interesses econômicos da transnacional e o direito indígena. O pedido foi feito pelo ex-ministro Márcio Thomaz Bastos que com isso atrasou por quase um ano a assinatura da portaria.
Em seus estudos a FUNAI reconhece que os índios capixabas têm direito aos 18 mil hectares no Estado, dos quais apenas foram demarcados 7 mil, por um ato arbitrário do ministro da justiça no governo de FHC. O ministro Tarso Genro, por sua vez, entendeu o mérito da legalidade e decidiu pela homologação da área delimitada. Dessa maneira os Tupinikin e Guarani conseguiram provar que estavam certos: a terra ocupada pela Aracruz Celulose é deles e ao contrário que propala a empresa, há sim índios verdadeiros no norte do Espírito Santo; que os eucaliptos da Aracruz Celulose escondiam uma história secular que a ditadura militar tentara apagar para dela expulsar seus legítimos donos em favor do capital.
Além das comunidades indígenas, comemoram a vitória e a devolução das terras aos seus verdadeiros donos todos/as que participam desta luta. Entre eles/as, os/as quilombolas, que igualmente lutam para recuperar suas terras invadidas pela Aracruz Celulose, no município de São Mateus, norte do estado do ES. A empresa detém 9 mil hecatres de terras já reconhecidas pelo INCRA e pela Fundação Cultural dos Palmares como sendo quilombola. Em julho de 2006 as comunidades quilombolas, juntamente com os mesmos movimentos e entidades que apoiam a causa indígena no estado, retomaram uma área ancestral identificada como um antigo cemitério, sobre a qual havia uma plantação de eucalipto que foi removida. Essa ação foi celebrada com danças e canções.
Fizeram parte direta ou indiretamente desta conquista o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento Sem Terra (MST), a Rede Alerta Contra o Deserto Verde, a FASE, A Brigada Indígena e outras entidades. A Brigada (grupo majoritariamente formado por estudantes universitári@s, trabalhador@s e apoiador@s da causa indígena) organizou várias visitas às aldeias, contribuiu na construção e reconstrução de algumas delas, levou mudas nativas para serem plantadas no lugar dos eucaliptos; organizou seminários e produziu informativos e cartilhas sobre a verdadeira história e luta indígena, além de participar nas manifestações na Feira do Verde, evento ambiental que ocorre anualmente em Vitória, para denunciar os abusos e os problemas sociais e ambientais causados por Aracruz Celulose, Vale do Rio Doce, Petrobrás, dentre outras grandes empresas.
Vale ressaltar o apoio, a divulgação e a veiculação de notícias pelo Centro de Mídia Independente, Século Diário, Brasil de Fato, e poucos outros meios de comunicação que buscaram e buscam legitimar as vozes dos movimentos sociais, assim como suas lutas, diferentemente da mídia corporativa capixaba que sempre deixou claro a partir de suas matérias difamatórias, deturpadoras de fatos, que estavam e estão o tempo todo ao lado dos interesses dos grandes empresários.
Atualmente as terras reconquistadas passam por um estudo etnoambiental realizado pela Anaí ( Associação Nacional de Ação Indigenista) que conta com a participação de lideranças das comunidades Tupinikin e Guarani. A expectativa de começar o trabalho nas terras é grande, e as comunidades aguardam desde 2008. O estudo identificará as necessidades e elaborará projetos de sustentabilidade das famílias, buscando amenizar os prejuízos causados pela Aracruz. Além das condições da terra, op estudo avaliará também os impactosm ambientais e culturais causados pela monocultura do eucalipto, as formas de vida no passado, e como isso poderá ser resgatado, gerando sustentabilidade em meio à realidade indígena atual.
Contudo, a vitória indígena contra a gigante Aracruz Celulose é um incentivo a outros movimentos sociais locais comos quilombolas que lutam pelas suas terras invadidas pela mesma empresa, que se encontram ilhados em meio de eucaliptos e obrigados a catar restos do mesmo para fazer carvão destinado ao uso doméstico ou vendas para garantia de subsistência, uma vez que não tem terras para produzir e nem outro meio para sobreviverem. Sofrem também com o agrotóxico lançado pela empresa nas plantações, que causa morte de pessoas e destroi terra, água, solo, fauna e flora. O MPA que, com a expansão da empresa, criando sua 4ª fábrica no estado, luta pela redução da plantação de eucalipto e cana, e ampliação da área plantada com alimentos.A ação da multinacional provoca além do desastre ambiental, o social, que inclui a geração de poucos empregos com baixos salários,e a expulsão do homem do campo. E por fim, os/as trabalhadores/as da própria empresa, doentes por causa dos venenos agrícolas, que se sentem abandonados/as pelos seus sindicatos e não tem seus diretos reconhecidos pela Aracruz Celulose, pois não admite que suas doenças são ocupacionais. Além dos mutilados no trabalho, que realizaram serviços para a empresa e que agora passam necessidades.